A Donzela coroada.

O frio cortante anunciava as varreduras dos campos com seus lírios machucados. Deus não perdoaria ninguém. Há primeiro momento conto que eu ainda não tinha vinte e três e meu temperamento vital motor, que conseguia eu ainda ignorar, conferia um novo e estranho calor, naquele estado de estação do ano, a um coração estranhamente não tão cheio de vida.
Se era surpreendente que ela concebesse uma certa benevolência por um jovem aparentemente tão cansado para sua idade, mas suave e modesto, com um aspecto bastante agradável, era ainda menos surpeendente que uma mulher encantadora, cheia de espírito e de graças, me inspirasse, juntamente com minha gratidão, sentimentos mais ternos, que eu não chegava a distinguir.
Mas o que é menos comum é que esse primeiro momento determinou a sorte de minha pessoa por toda a minha vida e estabeleceu, por um encadeamento lógico, o destino do resto dos meus dias.
Para começar, uma corrente de estranhezas num dia menos propício numa praça cujos lírios não encantavam ninguém, a conheci. Faz precisamente dez anos e ela já estava em seus 28 de pura vivacidade. Com gesto de terna candura, sorriu para mim. Eu, distraído em sua ações e sorrisos para com suas amigas, ao notar ser notado, senti que corava as faces e contemplei em resposta um sorriso tão grande que também senti corar os lábios, de certo ensanguentados pelas rachaduras agora abertas, que o frio proporcionava.
A imagem, por mais encantadora que fosse, não ofuscava a dor que senti, que como num passe de mágica revelava outras tantas incomodadas partes de meu corpo cansado, e quando me flagrei completamente aturdido em minhas mãos arroxeadas e gélidas, optei por ajustar a velha casaca fúnebre herdada de meu pai, e levantando do banco em que eu estava indaguei quanto tempo eu estivera ali, e pior, por quanto tempo me perdi em monotonias fáceis de meus pesares para que quando eu tomasse em mim, percebesse que a donzela coroada já estivesse me deixado, fazendo com que eu irritado, com ninguém mais do que eu mesmo, deixasse o banco em que me encontrava a sós com aquela solitária e fria praça, salvo pelo livro de versos que eu, tão distraidamente, havia esquecido abandonado. Abandonado naquele dia, em que mais tarde eu reconheceria, ser o dia mais frio de minha vida.

1 comentários:

Anônimo disse...

Você é incrível, menino.

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