Domingo
O caminho de volta é sempre marcado por lembranças, desejos de encontros e reencontros com aqueles que deixamos para uma hora, exatamente a que se faz presente, regressarmos e nos lembrarmos que há sempre alguém que nos espera e nos deseja ver melhores, inovadores, mas com a mesma essência de quando nos deixaram partir. E nós, voltamos com a sensação de que nada terá mudado e que será tudo exatamente igual, como quando deixamos ficar. Talvez seja por isso que partimos.Mas o caminho propriamente dito, visto de dentro do ônibus à caminho de casa não era o mesmo, assim como as perspectivas: um trajeto enfadonho, na pressa de chegar. Que dizer desses ermos lôbregos que nos passam e não convidam a vista? Ainda que dessem mais importância a audição, como meus companheiros de viagem que se ocupam com radinhos à pilha, concentrados no jogo que está para começar, já conformados que não chegarão a tempo. Lá fora é domingo. Lá fora é Minas Gerais. E junto à paz dos campos mineiros, se aplica a paz do domingo mineiro.Nunca será tão domingo como aqui. E em sua obrigação dominical deixar que nada aconteça; os pastos cumprem o catequético dever de não florescer junto à pequena manada que descança na terra e se agasta em se deixar ficar.Com o tempo a gente se acostuma e se sente tocado por essa terra humilde, que nos acolhe com sua pureza. Nada é mais belo do que uma imagem sincera: a paisagem nos encanta por sua carência e simplicidade. E sentimos que o mundo todo se estende ali, naquele domingo pacato; naquela falta de cores que camuflam nossos pensamentos; num mundo cru e nu de cupins, bois e moscas. O que realmente falta ali é figura humana. Salvo por resquícios de uma nobre casinha branca, que de um atravancado fogão à lenha expele fumaça nos enchendo o peito e nos fazendo deliciar com imaginários pães e broas; decerto há uma amada vovó cochilando lá dentro à espera de seus assados.
Se o Brasil não se superou em larga escala, se as injustiças e toda a miséria não foram combatidas enquanto estive fora, em compensação, Minas Gerais permanece a mesma. As pessoas permanecem satisfeitas com o pouco, assim como os animais permanecem conformados com suas monotonias fáceis, o céu límpido e claro, e a modesta estrada empoeirada.Quem sabe não será desse fenômeno cotidiano e extraordinário de uma cidade do interior, que poderemos compreender melhor como as coisas se modificam ao nosso redor ao longo da vida, como mudamos em relação ao mundo e a nós mesmos, mas como numa deixaremos de ser um pedaço daquilo que nascemos e aprendemos a amar, um pedaço de terra castigada que nos mostra que não há prazer maior no mundo como retornar?À beira de uma árvore um boi solitário observa meu ônibus passando, levantando mais poeira do que de costume, talvez reparando com certa arrogância o carnaval que fazem aqui dentro no exato momento em que se escutam pelo rádio o gol feito por Robinho.Continuei, me retorcendo no banco, a reparar displicente o boi deitado e suspirei de vontade de me juntar a ele. Todos aplaudem e riem. E eu ficaria lá, ao lado do boi, dormindo no domingo de Minas Gerais.

3 comentários:

Caco disse...

Adorei. Eu sinto bem isso mesmo. Uma calma. Parece que é um mundo à parte. Parece que o tempo pras pessoas mais simples não passa, as coisas contiunam sempre de um mesmo jeito. E um jeito bom, jeito mineiro.

Raquel Biazon disse...

está cada dia melhor,como sempre supera minhas expectativas,saudades como de costume <3

Françoíse Machado. disse...

Adorei seu blog, tive que seguir!
Parabéns!

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